segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Massacre de Ganímedes - Primeiros Anexos.

Branca e Leonor (1976)

Leonor preparou a mesa do costume, dispondo cuidadosamente as chávenas para o chá e alguns dos seus amigos preferidos. Ao seu lado colocou Rupert, o seu companheiro mais fiel - um ursinho que Branca lhe fizera. Leonor ainda hoje se recorda do quão importante aquele momento foi e aquele rejúbilo de satisfação transformou-se num carinho incondicional para com o animal fofinho, levando-o para todo o lado.

Leonor ficava neste ritual tantas e tantas vezes, aguardando pacientemente pela mãe que chegava invariavelmente tarde a casa. Todavia, era hábito Branca levar Leonor consigo às compras. Passeios que Leonor adorava e aproveitava para deslumbrar a sua visão e o seu estômago, com as guloseimas que incessantemente pedia à mãe. Branca quase sempre acabava por responder à vontade da filha, dado o infeliz costume de Leonor em se tornar bastante irritante em público, levando Branca muitas vezes a perder a cabeça e a bater-lhe, chorando Leonor ainda mais, perante olhares prontamente condenatórios. Branca sentia-se embaraçada.
No entanto logo se arrependia e satisfazia o pedido de Leonor, reconciliando-se com a mãe e tornando ao halo de inocência e de felicidade que sempre parecia reluzir em si.

Leonor parecia alhear-se da vida dupla da mãe, aceitando o quão dedicada ela era ao trabalho. Mas, intimamente sabia bem o quanto a mãe era infeliz e várias vezes a apanhou a chorar sozinha. Tentava animá-la como podia e em parte era bem sucedida.

Duas semanas antes da partida para a mansão do avô, a relação de ambas sofreu um pequeno rombo. Branca tornou a chegar cada vez mais tarde a casa, até que anunciou à filha que necessitava de ir um fim-de-semana inteiro em trabalho, instruindo-a para que não saísse de casa e que se comportasse. Todos os víveres necessários não haviam sido descurados, como de costume.
Na noite anterior à partida da mãe, Leonor ouviu-a ao telefone, reconheceu o tom e postura da mãe, mas manteve-se no seu ar terno de uma meiguice por vezes tão invulgarmente incessante.

E ali se encontrou, sozinha em casa, com o seu amigo Rupert, comunicando entusiasmada, expressando os seus sonhos e deixando a sua imaginação flutuar, diante de uma mesa de menina, devota de costumes retirados ao mundo dos adultos.

"A mamã anda tão distante Rupert... eu sei que ela se preocupa e que vai trabalhar todos os dias por causa de mim, mas às vezes só queria estar mais um pouco com ela. Só tenho a mamã e só te tenho a ti, Rupert. Foste o melhor presente da mamã, não teria qualquer amigo se não fosses tu. Adoro-te Rupert!"

"Nunca te deixarei sozinha Leo, vou estar sempre junto a ti. Sabes o que te animaria? Um doce!"

"Ohhh! Quero, quero! Mas não posso sair Rupert, a mamã disse que não podiamos!"

"Se formos depressa e tivermos cuidado não há que ter medo!"

E assim saíram de casa, Leonor e o seu urso de peluche, caminhando até à loja que de quando em quando visitavam e comprou um monte de guloseimas que a estimularam e nesse estado a mantiveram durante todo o regresso a casa.
Contudo, Leonor deparou-se com a perda das chaves de casa, o que derrubou todo o espírito anterior, levando-a a procurar as chaves pela rua onde caminhara, cada vez mais enervada.
Sem sucesso.
Quando se afastou um pouco mais e se sentiu perdida e sem saber o que fazer, cedeu na rua, chorando e berrando a plenos pulmões.
Leonor terminou nessa noite na esquadra de polícia, triste e amedrontada, aguardando pelas melhores notícias do agente que ligou para o trabalho da mãe.

Branca não estava em trabalho.

"De férias com um homem", algo que Leonor não pôde deixar de compreender pelas tentativas malogradas do homem em contactar a sua mãe.

Este esforço, acabou por dar os seus frutos. Branca estava de volta quatro horas depois.
Pegou em Leonor, sentindo-se vexada uma vez mais. Mas tal agravou-se quando confrontada pelos vizinhos com quem discutiu acidamente.
Já em casa, ainda com uma vizinha a bater à porta, preocupada com o que estava a decorrer no interior, Branca perdeu a cabeça com Leonor e bateu-lhe. No aceso de raiva, rasgou Rupert, até o dividir em 2, vertendo as suas entranhas esponjosas, sem retrocesso, arremessando-o em direcção ao chão, onde o pisou furiosamente.
Leonor ouviu os gemidos e a dor de Rupert ecoando pela sala.

O choque transfigurou Leonor.
"Devolve-me a minha mamã, monstro!"

"Estou farta, sua anormal, por que não podes agir como as outras crianças normais? Não passas de uma deficiente sem amigos que só me sabe envergonhar!"

"Devolve-me a minha mamã, que não me abandona, que não me deixa sozinha, que não me bate!"

"Sua egoísta, mato-me a trabalhar para te dar conforto! E quem fica sozinha sou eu, ninguém me quer e a culpa é toda tua! Nunca devias ter nascido!"

"Não, não, não! Odeio-te! Nem o papá te quis, és horrível, devolve-me a minha mamã!"

"Ninguém me quer porque ninguém quer uma mulher solteira com filhos! És a razão da minha infelicidade, desaparece da minha frente, nunca devias ter nascido!"

"Odeio-te, mataste o Rupert, assassina, QUERO-TE VER MORTA!".


Julieta, David e Nuno (1974)


Desde pequenina que Julieta corre e deambula entre cada recanto da mansão dos Ganímedes. Como se tratasse de um pássaro enjaulado conhecendo cada recanto da sua prisão.
Sempre deteve um espírito ávido e uma mentalidade aventureira. O avô, embora geralmente frio, chegou a associar Julieta a essa sua qualidade, com algum orgulho inerente.
Cedo a curiosidade em explorar a propriedade do avô ganhou outras proporções e aos poucos foi-se aventurando.
A floresta acabou por se tornar um lugar que marcava ano após ano as suas férias, sobretudo a partir dos seus 12 anos. Era uma de muitas coisas, que tinha a agradecer a David. Juntos escapuliam-se com alguma frequência e sempre que possível. Ao início Julieta era como a pequena princesa de David, a sua protegida, mas três anos decorridos e David dava por si impaciente, aguardando pela chegada anual de Julieta e dos restantes familiares. E Julieta sentia-se da mesma maneira.
Era a melhor altura do ano para ambos.

5 Anos e poucos meses separavam-nos, mas tal diferença etária esbateu e desmoronou por completo a partir dos 16 anos de Julieta. Era agora uma bela mulher, delicada, inteligente, serena e ao mesmo tempo com aquele brilho de impaciência pelo conhecimento e pela aventura que tocavam em David e o cativavam. Mesmo sendo reduzido o contacto com outras mulheres próximas da sua idade, (excepto as escassas vezes que acompanhava Elias à aldeia piscatória mais próxima), David considerava-a como a mais bela mulher à face da terra.

Nas mesmas circunstâncias se encontrava Nuno, sempre mais introvertido e debatendo-se incessantemente entre a sua condição de serviçal e de mera mobília e entre a chama que Julieta lhe despertava. Durante muito tempo a odiou e durante outro tanto tempo a amou.
Não era fácil a vida que levava. Tal como David, tomavam Mafalda e Elias praticamente como figuras parentais. Pouco conheciam do mundo lá fora e igual afecto haviam recolhido. Para Afonso não passavam de bonecos articulados, existindo para o servir e para pagar a sua caridade - dera-lhes um tecto para viver, uma alternativa segura à condição de orfãos. No fundo, aquisição de trabalho remunerado com géneros de subsistência.

1974, marcou um ano um tanto ou quanto diferente, numa das suas vagas exploratórias e possíveis investidas pela floresta que lhes começava a ser tão familiar, David e Julieta acabaram por se deparar com uma descoberta que atiçou em Julieta um misto de incredibilidade e ao mesmo tempo de extrema curiosidade.
No meio de uma reclusão de arvoredo, uma segunda mansão emergia numa clareira. As reacções no entanto divergiram, David bem mais preocupado forçou a uma retirada. Julieta projectou uma nova investida àquela área, no entanto, foi surpreendida por uns pais em alguma agitação.

Nuno denunciara-os.

Julieta e David passaram a sofrer um controlo mais acentuado, as incursões à floresta deixaram de ser possíveis e com isso uma nova aventura até à mansão sitiada pelo bosque.
Todas as restantes férias de 1974 foram passadas em frustração e o aperto em 1975 manteve-se.
A relação de Nuno com David acabou também ela por se deteriorar substancialmente, mas não aquilo que ambos nutriam por Julieta.

1 comentário:

Carla Carrinho disse...

Leonor é uma criança, não me parece capaz, mesmo perante a ameaça "QUERO-TE VER MORTA!", de estar por trás do crime. Os abusos por parte da mãe explicam a sua aparente calma perante o massacre que presencia.

Curioso, o triângulo amoroso. Nuno o elo mais fraco, amargurado pela paixão... sabes o que mais, inclino-me para algo novelesco: Godofredo não tem filhos, algo me diz que um dos órfãos é seu filho... Nuno? Talvez, não me parece que Godofredo, o meu suspeito 1 tenha sido capaz de arquitectar a morte de David (isso se soubesse da verdade).

A segunda mansão, agora pode muito bem estar a ser utilizada como esconderijo.

As próximas vítimas: Mafalda e Julieta...Leonor (vais matar uma criança !!!). Sobram Nuno... Afonso (que já morreu antes da trama começar)... e Godofredo... pai de Nuno !!!!

Vamos ver...