sábado, 20 de março de 2010

O Último Homem

Neste dia eu caminhei,
Até ao café gizei percurso…
E ali como combinado a encontrei.
Ela sempre tem aquele rosto alegre, quente, terno…
Meigo, de incondicional afecto, onde ferve inebriado alento.
Sorri-lhe, em contagiado aspecto… efémero,
Pois adentro, ele isolado reside do solo ao tecto.
Esta noite, um amigo reencontrei…
Abraço fraterno logo logrei…
Enquanto homens se requerem as palmadas nas costas,
Brusco contacto de amistoso trato…
Olhei-o de soslaio, soerguendo hoje duas infâncias repostas.
E ali nos reconhecemos em múltiplas propostas e respostas
E como nos rimos entre tantas palavras em sintonia dispostas…
Como nos é hoje o alheio patético.
Neste dia laborei,
Fui polido, cordial, exemplar e no possível ético,
E ainda assim creio que por poucos querido,
No entroncamento de um esforço colectivo épico.
Como poético foi o findar de contrariada rotina!
Esta noite saímos…
Como bebemos, como fumámos e aliviados nos sentimos,
E como nos reconfortámos e rimos,
Entregues a um clamar uníssono de embriaguez,
Remetendo o problemático quotidiano em surdez…
Esta noite fomos guerrilha, de ébrios a resolutos aturdidos.
No dia e na noite tornei a sorrir…
Como foi bom saltar no concerto, pular e no inaudível berrar!
Gritei, cantei, por entre uma paridade colectiva,
Por momentos nem bolha alheia defrontei…
E como foi na praia a folia do grupo activa,
Isenta de qualquer manifestação coerciva…
Dançámos e uma fogueira evocámos nesta noite de beira-mar furtiva.
E de noite em dia e de dia em noite sorrimos,
Gesticulamos, discutimos e rimos, como nos rimos…
Mas no término de mais um dia,
Em madrugadora noite de Inverno, eu chorei,
E como chorei enquanto no espelho me fitei…
Esta noite os meus olhos estão diferentes e tão iguais às noites anteriores,
Observei toda esta nova transformação facial,
Tão própria deste último Homem…
Nesta noite solitária subsequente na rotina diária,
Enfrentei-o no espelho, sob fluido lacrimal,
Aquele Eu, o último Eu, residente no fundo de mim,
Alheado do sociológico e como tal aos demais ilógico.
Nesta noite de último Homem coloquei em casa todos os outros rostos de lado,
Todos os rostos que ao mundo mostrei…
Tão longe de todos, tão dentro de mim,
Este último Eu hoje enfrentei,
Os meus olhos vibraram num diferente e obscuro assombramento,
Penetraram-no, de céptico a hermenêutico,
Penetraram-se conscientes de o ver ali, naquele momento…
O mais ascético de todos, envolto num halo de tormento…
Esta noite, o último Homem é cheio de lamento.

Sem comentários: